terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Regresso





Num instante, fantasias,
Cores, sonhos, prazer, festa.
Passou, como nuvens desmanteladas pelo vento.
Foi-se minha alegria,
Amigos, farras, folia.
O que sobrou? apenas lamentos.
Há um silêncio absoluto em meu ser.
Até a lembrança mais tênue me faz despertar.
Acordo. Caio em mim.
Mas, desta vez, o “cair” me levanta.
Decido. Só existe uma maneira de prosseguir: voltando.
Ensaio desculpas, algo que me faça parecer menos tolo.
Cabisbaixo, porém resoluto,
Faço o caminho de volta,
Por estradas que para mim são velhas conhecidas.
Temo. Tremo.
Não ouso fazer afirmações sobre o futuro.
Quando mais me aproximo sinto vergonha do que me tornei;
Sou apenas uma sombra pálida do homem arrogante no dia da partida.
Estou próximo, aumenta a certeza de que nunca deveria ter partido.
Parti teu coração.
Perdi-me, quando queria me encontrar.
Encontrei-me ao perceber o quanto estava perdido.
Os perfumes da tua casa me inundam com lembranças,
Retratos olfativos de um tempo em que a felicidade morava comigo,
Apesar de ser uma ilustre desconhecida para mim.
Meu coração acelera, minhas pernas trêmulas e cansadas anseiam por chegar.
Quando percebo, antes que qualquer frase me salte da boca,
Teu abraço, que me cala a voz,
Aquece a minha alma, e te ouço sussurar:
- Tu és meu filho amado !

Alex Lira

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Minha mensagem de Natal !


Por José Barbosa Junior
Há muito tempo atrás um poeta decidiu escrever sua obra. Poetas são seres mágicos, suas palavras têm o poder de criar mundos. Basta que digam e as coisas acontecem, surgem do nada, ex nihilo, desejos que se transformam em coisas.

Esse poeta criou mundos assim, pela sua palavra. Bastava dizer e as coisas vinham à existência. Era característica dele o gosto pela criação, e sempre ao final de cada criação ele via que tudo aquilo era bom... e seguia adiante... criando coisas, até que decidiu encerrar a sua criação. Era hora de escrever a sua obra prima, sua grande ária da magnífica ópera que começava a existir.

Havia um cuidado especial para a criação de seu mais grandioso poema, não bastariam as palavras ao vento, Ele as queria escrever com as próprias mãos, seria diferente, ao invés de simples palavras, barro... e então a obra foi feita, imagem e semelhança dEle. O grande poeta então, ao ver sua obra ali, como ele queria, soprou sobre ela... e a poesia ganhou vida, ganhou palavras novas, ganhou o sopro do criador... inspiração... expiração... vento...

Mais tarde, ao contemplar sua magnífica obra percebeu um ar de tristeza na sua poesia, faltava-lhe algo, faltava-lhe rima, algo que o completasse inteiramente... havia um vazio em meio a algumas linhas e o poeta fez com que sua poesia dormisse, e sonhasse... nos sonhos os mundos também se criam...

Ao acordar de seu sono o poema se viu completo, as palavras agora se encaixavam perfeitamente, e havia sentimentos novos... desejo... amor... coisas que só um poeta entende, e sua poesia também. E assim conviviam bem, poeta e poesia, autor e obra, e da criação passou-se à nomeação das coisas, palavras novas, imaginação, imagem em ação, nomes, palavras, seres... vidas...

Até que um dia um cientista resolveu aparecer para complicar a história. Cientistas detestam poetas e odeiam poesias. Afinal, cientistas são conhecedores do bem e do mal... então o cientista resolveu oferecer ao poema a “grande chance” de deixar de ser poesia e tornar-se uma grande tese acadêmica, afinal a poesia é para os sonhadores, loucos, boêmios, amantes, mas as teses científicas é que dominam o “mercado” e nos dão garantia de sermos deuses, conhecedores de todo o bem e todo o mal.

A poesia cedeu sua beleza e encanto à praticidade do texto científico... houve um borrão no poema original, que perdeu sua essência... tornou-se um texto chato, cansativo, longo demais... textos desses que ninguém consegue entender, dizem até que num determinado momento tal era a confusão que a tese se dividiu em línguas diferentes, nem ela mesmo se entendia... babel... confusão...

Algo deveria ser feito para se reconquistar a poesia original... mas... o que ? Um poema como o original, algo tão belo que, ao morrer poesia (e toda poesia traz em si um pouco de morte) apagasse as manchas do primeiro poema e restaurasse a beleza que havia escondida sob os borrões das teses cientificas, sob o conhecimento do bem e do mal.

Os filósofos, amigos dos poetas, chamavam o criador de poemas de Verbo, verbo é a alma do poema, poemas sem verbos são chatos. Imagine um poema sem amar, sentir, chorar, sonhar, ver, ouvir, tocar, cheirar, sofrer...

Pois o verbo... se fez carne... o poeta se fez poesia, e mais...se fez criança. Crianças e poesias tem muito em comum... não se levam a sério demais. Brincam com a vida, brindam a vida. Como diria o poeta Rubem Alves: “O natal é um poema. Nele Deus se revela como criança (...) Prefiro o Deus criança. No colo de um Deus criança, eu posso dormir tranqüilo.”

Isto é natal!! Poesia, amor, canção... tudo embalado e regido por uma criança... deixai vir a mim os pequeninos porque dos tais é o reino da poesia. Deus é o poeta... nós somos o poema... Jesus é o poeta-poema feito criança... natal!!

Já quis muito ser teólogo... hoje não quero mais.... quero ser poeta. Um teólogo vê uma criança e trata de elaborar uma tese, talvez sobre a soteriologia infantil, pedobatismo, idade da razão, etc. O poeta vê uma criança e brinca, faz poesia, e a criança brinca com ele, vira poema! Viva a poesia! Que o natal seja o renascimento de poetas e poemas, de canções de amor, de sonhos, de jardins repletos de felicidade...

Que o poeta seja reverenciado, que o poema-criança seja amado, e que o poeta que se fez poesia seja lembrado como o criador dos versos mais maravilhosos que ele já fez, mudando de vez a história... mudando a nossa história...

Feliz Natal!!!

José Barbosa Junior

sábado, 22 de dezembro de 2007

Idéias


Ricardo Gondim.


Minhas idéias flutuam como pipa de menino;

dançam presas numa fina linha.
Minhas idéias são delicadas como mãos de bailarina;

desenham ondas no amplo vazio.

Minhas idéias se agitam como tino de louco;

rodeiam celas amplas e solitárias.
Minhas idéias se alucinam como viagens de poeta;

buscam achar o mundo da utopia.

Minhas idéias se contradizem como gritos de profeta;

almejam a vida sem coerência terem.
Minhas idéias fluem como calmos ribeiros;

se renovam para depois morrerem.


Soli Deo Gloria

Por quê ?


Ricardo Gondim


Por que a noite se arrasta tão longa?

Por que a madrugada se cala silenciosa e fria

?Por que a saúde não contamina feito a doença?Por que a poesia nasce do sofrimento com mais facilidade?

Por que o coração percebe o que a mente não sabe?Por que o sonho se dissolve, assim, rapidamente?

Por que a saudade dói sem solução?

Por que o espelho mente para o olhar da solidão?

Por que a morte não respeita a paixão?


Soli Deo Gloria

Pipas


Estou cansado de correr atrás das pipas.
Afinal, quem precisa delas?
Olho, resignado, seu bailar ao vento.

Para que precisaria eu possuir uma ?
Basta olhar, cansa menos
Não ter que empiná-la, mantê-la no ar,
Ou me preocupar com o seu destino.

Não aguento mais.
Basta um momento de distração,
Lá estou eu novamente
Correndo atrás das pipas.

Acho que é a disputa,
Talvez exibí-la, orgulhoso,
Como um troféu diante dos outros:
- Minha pipa !

E depois, o que farei?
Empinar, enfeitar, vender, guardar?
Não importa. Preciso de mais pipas.

Coisas de menino.


Alex Lira

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Aprendendo a Confiar


“Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe pedirem.” (Mt 7.11)


Quantas vezes, na busca de satisfazer uma necessidade legítima, acabamos causando um mal para nós mesmos? É como comer algo estragado para saciar a fome, ou se envolver com alguém comprometido para escapar da solidão, ou quem sabe doar-se tanto ao seu trabalho e acabar por deteriorar seus relacionamentos pessoais. As necessidades são verdadeiras e justificáveis, mas as escolhas que fazemos podem nos prejudicar.

Há uma cena do filme “O Todo Poderoso” que ilustra bem o que eu quero dizer. Jim Carrey interpreta um personagem que recebe a incumbência de realizar o “trabalho” de Deus por alguns dias, e resolve responder as orações que lhes chegam aos milhares na forma de “e-mail”, mas percebe que ao terminar de responder aquela remessa, imediatamente está repletos de novas orações. Então, para facilitar, ele resolve responder “sim” a todas elas. Mas, ao sair pelas ruas, ele percebe que a vida das pessoas se transformou em um caos generalizado por terem seus pedidos atendidos.

A pergunta é: por quê? Ao que respondo com relativa facilidade: nós não sabemos pedir como convém! Não sabemos o que efetivamente nos fará bem e nos trará um sentimento de realização e felicidade. Isso nos ensina algo acerca do nosso relacionamento com Deus, que muitas vezes mantêm-se em silêncio quando precisamos de respostas “para ontem”, ou simplesmente nos nega, pedidos que lhe fizemos em oração de coisas que consideramos essenciais. Mas somente Deus conhece o que existencialmente nos fará bem, nos trazendo maturidade e crescimento.

Abraão quando foi chamado por Deus, não sabia exatamente para onde iria, a ele foi ordenado apenas “vai para a terra que eu te mostrarei”. Ele teve que confiar nesta Voz que lhe falou ao coração, peregrinando sobre o chão da promessa e vivendo em obediência, carregando no coração certezas não vislumbráveis pela lógica, ao que a Bíblia passou a denominar fé.

Hoje, assim como outrora, em meio ao ceticismo científico, a frustração religiosa, e ao pragmatismo existencial que tomou conta dos indivíduos, a nossa vocação continua a mesma: “o justo viverá da fé”. Não me refiro a esta fé interesseira usada como moeda de troca com Deus, mas falo de uma fé perseverante que nos faz confiar na voz d’Aquele que nos ama e cuida de nós, mesmo quando esse cuidado vem em forma de não!

É necessário fé em Deus para experimentar milagres, mas, é preciso mais fé ainda para amá-lo quando eles não acontecem.

Escrevo este texto a partir de uma experiência absolutamente pessoal, onde faço minhas as palavras do evangelista:

“Sem fé é impossível agradar a Deus.” (Hb 11.6 a)

Alex Lira

sábado, 13 de outubro de 2007

O Sentido da Liberdade


“Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”. (João 8:36)

Parece que só passamos a apreciar a liberdade quando por algum motivo, de alguma forma, nos sentimos privados dela. Aliás, apenas a consciência que percebeu-se cativa, impedida, encarcerada, por algo ou alguém, é que anela intensamente por, enfim, sentir-se livre.

Creio que a idéia do cárcere amedronta e apavora todos os seres, humanos ou não. Pássaro que um dia foi livre, mas caiu na arapuca, chora com seu canto, dentro da gaiola. Já perceberam como é tristonho o olhar dos animais que habitam os zoológicos? E esse mesmo canto incompreensível de lamento, esse olhar tristonho, encontramos todos os dias, em todos os lugares, muitas vezes diante do espelho.

Não é preciso habitar em uma penitenciária para sentir-se preso. Possuímos cadeias invisíveis aos olhos, porém igualmente intransponíveis. Afinal, que liberdade possui alguém que depende de algum tipo de entorpecente para conseguir sorrir? E o que dizer dos alcoólatras, dos viciados em pornografia, dos que roubam, e dos que matam, dos que estupram ou dos que batem em mulheres? Ou mesmo daqueles que vivem esmagados pelo peso da culpa pela prática homossexual? Seriam realmente livres, aqueles que tendo que subornar para obter vantagens? Seriam realmente livres quem, vaidosamente, existe para corresponder aos padrões estéticos que a mídia convencionou chamar de “belo” ou “normal”? Seriam livres aqueles que mesmo em meio a uma multidão, sentem-se solitariamente reclusos em si mesmo, não tendo com quem compartilhar suas dores, alegrias, derrotas ou desafios?

Seria a religião capaz de produzir indivíduos livres? Quando olho em minha volta, ou quando observo a minha própria vida, forçosamente respondo que não. A religião, decididamente, não faz indivíduos livres. Pode, no máximo, nos tornar pessoas “aceitáveis” dentro da ótica de gueto cultural e comportamental bem característicos dos clubinhos religiosos, e mais especificamente refiro-me aos evangélicos (ao qual pertenço, e conheço bem!). Aderimos a uma visão corporativa e marketeira, passamos a utilizar uma estrutura do tipo “igreja-empresa”, para não só conquistar o “cliente”, mas também torná-lo fiel. Em muitos templos e denominações, a bênção não é mais obtida como um favor gracioso de Deus, mas sim como o resultado produzido pela obediência irrestrita às estratégias, dogmas, e práticas ensinadas pelos seus líderes. A religião vicia você a uma intermediação por ela oferecida, que lhe garante um privilegiada e confortável situação de proximidade ao Deus por ela oferecido.

Mas, e quanto a Jesus? Esse sim é ao mesmo tempo livre e libertador. Podemos observar na leitura dos Evangelhos seu ânimo absolutamente livre, fazendo escolhas e quebrando paradigmas a todo instante, rompendo com tradições humanas inúteis ou mal-compreendidas, tratando com dignidade, amor e especial zelo, os indivíduos marginalizados do seu tempo. Escolheu pescadores, mulheres, cobradores de impostos, para serem seus discípulos, tocou, ergueu, curou, alimentou, libertou consciências, conforme profetizado por Isaias e reafirmado por Ele mesmo em Lc 4.19-30. A ninguém ele aprisionou. Ensinou de forma prática o significado do verbo amar, e mais, disse que seus seguidores seriam conhecidos por essa mesma característica: o amor.

Jesus não trouxe uma nova religião, mas sim uma nova ética para a humanidade, propôs uma mudança a partir de cada indivíduo, mudança esta e valores estes que ele chamou de Reino de Deus !

Mas qual é a liberdade que Jesus prometeu? Liberdade, em Jesus, é poder realizar de fato escolhas, livre de vícios, imposições, inclinações patológicas, é não ter que ser o que os outros nos impõem que sejamos, mas sim que nos tornemos o melhor de nós mesmos. Que potencializemos nossas virtudes, que sejamos capazes de nos surpreender com o poder da bondade e da misericórdia aplicados ao nosso próximo.
Em Cristo, a liberdade é um convite para que nós, em parceria com Deus, possamos reescrever a nossa história, melhorando a nossa vida e também a daqueles que estão ao nosso redor. E no final dos nossos dias, ao olharmos no espelho da nossa consciência, veremos o quão parecidos com Ele nos tornamos, pois à semelhança de Jesus, teremos aprendido o real sentido de ser livres.

sábado, 1 de setembro de 2007

Quem sou eu ?


Wer Bin Ich? Quem Sou Eu?

Quem sou eu? Freqüentemente me dizem

Que saí da confinação da minha cela

De modo calmo, alegre, firme,

Como um cavalheiro da sua mansão.


Quem sou eu?

Freqüentemente me dizem

Que falava com meus guardas

De modo livre, amistoso e claro

Como se fossem meus para comandar.

Quem sou eu? Dizem-me também

Que suportei os dias de infortúnio

De modo calmo, sorridente e alegre

Como quem está acostumado a vencer.


Sou, então, realmente tudo aquilo que os outros me dizem?

Ou sou apenas aquilo que sei acerca de mim mesmo?

Inquieto e saudoso e doente, como ave na gaiola,

Lutando pelo fôlego, como se houvesse mãos apertando minha garganta,

Ansiando por cores, por flores, pelas vozes das aves,

Sedento por palavras de bondade, de boa vizinhança

Conturbado na expectativa de grandes eventos,

Tremendo, impotente, por amigos a uma distância infinita,

Cansado e vazio ao orar, ao pensar, ao agir,

Desmaiando, e pronto para dizer adeus a tudo isto?


Quem sou eu? Este, ou o outro?

Sou uma pessoa hoje, e outra amanhã?

Sou as duas ao mesmo tempo?

Um hipócrita diante dos outros,

E diante de mim, um fraco, desprezivelmente angustiado?

Ou há alguma coisa ainda em mim como exército derrotado,

Fugindo em debanda da vitória já alcançada?

Quem sou eu?


Estas minhas perguntas zombam de mim na solidão.


Seja quem for eu, Tu sabes, ó Deus, que sou Teu!


Dietrich Bonhoeffer


Dietrich Bonhoeffer foi um grande teólogo protestante alemão, considerado um dos mais relevantes do século XX. Perseguido e aprisionado pelo nazismo, foi enviado a um campo de concentração, onde foi executado, já em fins da Segunda Guerra.Para mais textos e informações sobre Bonhoeffer, visite:www.sociedadebonhoeffer.hpg.ig.com.br.

Deus, o Noivo !


"... Deus e o homem se encontram como ‘parceiros no trabalho da criação’. Não conheço nenhuma outra visão que confira ao ser humano tamanha dignidade e responsabilidade.
A Bíblia usa muitas metáforas para Deus. Ele é um mestre e nós somos seus servos. Ele é um rei e nós somos seus súditos. Ele é um pai e nós somos seus filhos. Mas, para os profetas, a maior metáfora é o casamento. Deus é o marido e o povo de Israel, sua esposa. Oséias coloca isso na famosa passagem em que os homens judeus recitam em todos os dias da semana ao colocarem seus filactérios (tefilin):
‘Eu te desposarei para sempre.
Eu te desposarei em retidão e justiça,
Em bondade e compaixão.
Eu te desposarei com fidelidade
E tu conhecerás o Eterno’. – Os. 2.21-22.
É difícil fazer justiça ao poder desta idéia. O que nos diz sobre o homem e a humanidade? Ela sugere que a maior descoberta da Bíblia hebraica não foi o monoteísmo, o conceito de um deus Único, mas sim a idéia de que Deus é pessoal, de que no núcleo da realidade há algo que responde à nossa existência.
A afirmação da fé judaica, profundamente humana em suas implicações, é que Deus é a personificação da realidade objetiva. Nós somos mais do que moléculas concatenadas, “genes egoístas”, grãos de poeira na superfície da eternidade. O universo não é cego às nossas esperanças, aos nossos sonhos ou aos nossos ideais. Há um sofrimento genuíno quando fazemos mal uns aos outros. E quando temos esperança e lutamos e tentamos construir, algo dentro e além de nós nos pega pela mão e nos dá a força para não sermos vencidos, para continuarmos a jornada apesar de tosos os reveses e passos em falso.
[...]
Mas entre Deus e o homem há um laço de amor. Ninguém fala deste laço de amor com tanta beleza quanto o profeta Oséias, num trocadilho magistral com o nome de Baal, o deus canaanita. Baal era o antigo deus da fertilidade, encontrado nas tempestades, no trovão e na chuva. Mas a palavra ‘Baal’ também significa ‘senhor’, ‘proprietário’e, por extensão, ‘marido-patrão’ num mundo onde os homens dominavam as mulheres. Oséias compara este tipo de ligação ao relacionamento entre Deus e o povo de Israel:
‘Naquele dia, declara o Eterno,
Tu me chamarás, ‘meu marido’ [ishi]
Tu não me chamarás mais ‘meu senhor’ [baali]’. Os 2.18.
Para Oséias, no centro do culto a Baal está a idéia primitiva de que Deus governa o mundo à força, como os maridos governam suas famílias em sociedades onde o poder determina a estrutura dos relacionamentos. Em contraste, o profeta elabora uma possibilidade bastante diferente, ou o relacionamento entre os parceiros num casamento, construído sobre amor e lealdade mútua. Deus não é Baal, o que governa à força, mas sim Ish, aquele que se relaciona em amor...
Deus diz a Elias que o que o torna diferente de Baal não é por Baal ser um poder e Deus, um poder maior. Definitivamente, Deus não é um poder. Ele não está no vento, no terremoto e no fogo. Ele não se revela através da força, mas sim de uma voz que fala ao homem. E não é uma voz comum – é uma voz ‘suave, baixa’. A tradução do hebraico significa, literalmente, o ‘som de um leve silêncio’, implicando que podemos ouvi-la somente se prestarmos atenção. Deus não impõe sua presença sobre a humanidade. Apenas se o procurarmos poderemos encontrá-lo procurando por nós”.


Rabino Jonathan Sacks

O martírio de Estevão, o diácono


Estevão sabia que ia morrer naquele dia.
Os algozes decidiram.
Vestira o diaconato, junto à morte.
Apenas vão ouvi-lo, suportá-lo, antes do sacrifício.
Tinha a face de um anjo e eram pétreos os rostos dos que o viam.
Seus olhos eram pedras.
Se jogavam. Ia morrer.
Sabia. Radioso, irresoluto.
Vinham as pedras.
Ia ao encontro da angular,
certeira pedra viva.
Carlos Nejar

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Imagem não é nada, sede é tudo.....




“Assim como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus!” (Salmos 42:1)


Como diria a música que foi sucesso nos anos 90 do grupo Titãs: “você tem fome de que? Você tem sede de que? A gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte...”, eu me pergunto assiduamente, do que nós cristãos temos fome? Do que realmente temos sede?

Não é novidade para ninguém que vivemos na era da imagem, na era das projeções, das fantasias, onde o valor atribuído a algo ou alguém está diretamente relacionado aquilo que esse indivíduo aparenta. Se observarmos o comportamento das sociedades antigas, dos heróis da cristandade de outrora, veremos que, o valor era atribuído ao ser, mas com evolução histórica da sociedade (e proporcional “involução” da espiritualidade observável nos arraiais cristãos), com o advento do capitalismo, mudou-se o paradigma, e o status passou a ser o que o indivíduo possui, o status é determinado pelo ter. Mas, na pós-modernidade, somos avaliados por aquilo que parecemos, a imagem que vendemos determina a nossa aceitação.

Mas o grande problema de uma espiritualidade de aparências, é justamente o fato que por definição, o espírito fala de essências interiores, fala de tudo aquilo que carregamos dentro do peito, fala de valores não observáveis, ou seja, como aparência é sempre uma projeção de algo que na maioria das vezes não corresponde ao que somos, teremos como resultado em breve, um país impregnado de cristãos, porém cada vez mais distante do verdadeiro Evangelho. Se não conseguirmos transcender o “self-service” religioso, sofreremos de uma crônica anorexia espiritual.

E respondendo a pergunta dos Titãs: comida, bebida, diversão, arte, não podem saciar a minha sede por uma existência cheia de vida e espiritualidade autêntica. O próprio Cristo responde onde está a única fonte capaz de nos embebedar de vida espiritual: “Se alguém tem sede, venha a mim, e beba.” (João 7:37).

Para beber de Jesus (com isso não faço alusão alguma ao guaraná “Jesus”, ao qual descobri a existência recentemente!), eu devo admitir que uma existência baseada em aparências e em uma auto-imagem formada pela opinião alheia, é absolutamente frustrante pela sua incapacidade de saciar a sede do ser, de apaziguar a alma, de gerar satisfação. Em segundo lugar, ir a Jesus não significa ir ao templo onde a religião é praticada em nome dele, não significa, a priori, mudança de comportamento ou de fé religiosa, não significa um estereótipo comportamental. Quem tem sede, não tem exigências a fazer, a não ser a única e imprescindível; saciar-se. E só bebe da fonte eterna que é Cristo, quem nele mergulha pela fé, sem preconceitos, sem condições, sem barganhas, sem intermediários, ou seja, apenas mergulha com a certeza de experimentar o refrigério que “fonte” alguma desta vida pôde produzir, por isso se entrega, por isso se rende a este convite amoroso.

Para encontrar esta fonte inesgotável, este oásis em meio ao deserto da pós-modernidade, não precisamos ir a nenhum lugar, e nem praticar nenhuma peregrinação espiritual, não precisamos pagar nenhum pedágio, não precisamos de intermediários, teremos sim de discernir as “miragens” que estão diante de nós, e para isso a única bússola confiável é a Bíblia, Palavra de Deus, em cujas páginas, milhares e milhares de pessoas têm encontrado paz, alívio, e satisfação para as necessidades da alma. Por isso, gostaria de terminar citando as palavras de Jesus, em Jo 4.14: “ Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna.”

Imagem não é nada, sede é tudo, beba do Espírito !

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Por que continuar na igreja ?


Talvez alguns anos atrás eu não teria a menor dificuldade em dizer para qualquer pessoa inúmeras razões para justificar o seu ingresso ou permanência em uma igreja “evangélica”. Mas hoje, devo confessar que não tenho mais a mesma facilidade. Não que o Cristo a quem sirvo e tenho como Senhor tenha mudado, não que a mensagem da Cruz tenha perdido a eficácia, mas a igreja enquanto instituição mudou. A igreja deveria servir a Cristo, mas hoje em dia, em muitos lugares, tem servido a outros “senhores”, a interesses completamente opostos ao Reino de Deus. A igreja deveria servir ao próximo, deveria servir para promover vida, porém, é inegável que muitos têm feito da “casa de oração”, um “covil de ladrões e mercadores da Palavra”.

Mas, mesmo com minha alma um tanto “amarga”, fiquei meditando em motivos para continuar na igreja, e decidi compartilhar com todos aqueles que em algum momento da sua caminhada na fé, também já fizeram este questionamento.

A igreja é o que a Igreja faz. A igreja enquanto instituição é formada por todos os tipos de indivíduos. Há os interesseiros, os neuróticos, os frustrados, os manipuladores, os estelionatários da fé, há aqueles com sede de poder, e existem também os cristãos sinceros. É exatamente neste tipo de cristão, o autêntico, aquele que não se conforma com o erro, aquele que não negocia a sua fé, que está arraigado em Cristo de tal modo que não há vento de doutrina que o arranque, que reside a esperança da igreja. Pois a mão de Deus se move na história através da consciência e das atitudes destes indivíduos, que fazem e refazem, que destroem para reconstruir a história da igreja cristã.

A forma serve enquanto não for desprovida de essência. Quero dizer com isso que, a igreja como instituição não pode e não deve ser descartada enquanto preservar nas suas doutrinas e práticas a essência pela qual ela foi estabelecida, ou seja, promover a comunhão entre os santos (salvos), anunciar as boas novas da salvação (proclamar o Evangelho), adorar a Deus, e vivenciar os valores éticos do Reino de Deus. Enquanto essas características estiverem presentes, ainda que de forma cada vez mais tênue, a igreja institucional não deve ser rejeitada.

A igreja como instituição promove a dignidade do ser humano, defendendo valores que estão caindo em desuso. Através da conversão, todos têm direito a serem feitos “novas criatura”, com novos valores, perdão, ou seja, a começar de novo. Quantas e quantas pessoas conhecemos que, estavam no fundo do poço, e através da fé que abraçaram através da pregação de alguma igreja, conseguiram reestruturar as suas vidas? Além disto, os valores éticos defendidos nas maiorias das igrejas ainda são fundamentais, e tornar-se-ão um novo paradigma na sociedade quando esses mesmo valores que apregoamos tornarem-se uma prática em nossas vidas.

Jesus ainda freqüenta a igreja. Esse talvez seja o principal motivo, pois se não houvesse mais a presença do Cristo nas reuniões, templo e religiões cristãs, então não valeria mais a pena estar lá. Mas, a despeito de toda zombaria e escárnio que tem se feito com o nome de Deus, mesmo com todos os erros, mesmo com a perda da identidade de muitas igrejas, Jesus não desistiu delas! Veja ao seu redor, ainda há conversões genuínas, ainda existe cura para o doente, ainda existe um povo que não retrocede na sua esperança, que sabe que é de Deus, e por ser de Deus, não desiste nunca. Aliás, nós não desistimos, por que Ele não desistiu, e prometeu que, onde estiverem dois ou três reunidos em Seu Nome, ele ali estará.

Que as mudanças comecem na minha vida, na sua vida, então haverá esperança para a igreja.

Paz e Renovo sobre a tua alma.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

Como nasceu a Parábola


Antigamente, a Verdade andava nua pela rua. Os homens se afastavam do seu caminho e ningém a deixava entrar em casa. Até que, um dia, ela se encontrou com o Conto, a quem todos amavam.

- Ninguém gosta de mim - disse a Verdade. - Sou velha demais!

- Eu também sou velho - disse o Conto. - E, no entanto, todos me amam. Não é pela sua idade que todos te rejeitam, é porque andas nua por aí. Se vieres comigo, te emprestarei lindas roupas e verás como as pessoas se interessarão por ti.


E assim nasceu a Parábola.


(Conto chassídico)

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

O Pink e o Cérebro



Os estúdios da Warner Bros. em parceria com o famoso cineasta Steven Spielberg, criaram a alguns anos um desenho animado curioso, “O Pink e o Cérebro”. O desenho narra as aventuras de dois ratos de laboratório, onde o “Cérebro” é um rato baixinho e com uma gigantesca cabeça, que além de muito inteligente, também é acometido de uma megalomania crônica, cujo objetivo diário é “tentar dominar o mundo”, e o seu parceiro o “Pink” é um rato mais alto que adora se exercitar na sua gaiola, cuja imbecilidade acaba sempre estragando os planos maquiavélicos do Cérebro. Eles são parceiros inseparáveis, cujos interesses convergem apenas no fato que o Pink vê no Cérebro o seu melhor amigo, e o Cérebro vê no Pink apenas uma “mão-de-obra” barata.


Há neste desenho animado uma parábola pós-moderna das relações eclesiásticas, dos interesses que permeiam a cristandade evangélica dos nossos dias. Mas o que é uma parábola? A parábola é uma forma de contar uma verdade, utilizando-se de elementos do cotidiano. Essa era a forma preferida utilizada por Jesus para falar as verdades eternas do Reino de Deus para as pessoas comuns, de modo que os mais simples poderiam alcançar a compreensão das suas palavras, e quiçá, os significados profundos dos seus ensinamentos. Vemos em nossos dias inúmeros exemplos da megalomania que se apoderou da mente e do coração dos nossos líderes (nem todos, porém uma grande parte.), dos homens e mulheres que, a priori, foram chamados para “apascentar” almas, para cuidar de vidas, para conduzir este povo tão sofrido e sem direção a Jesus, mas em lugar disto, tornaram-se “empresários” que falam em nome de Deus, como se tivessem adquirido uma franquia de representação comercial do Reino de Deus e seus derivados. Por exemplo, se observarmos o nome de alguns estabelecimentos com a alcunha de “igreja cristã”, notamos claramente a “síndrome de Cérebro”: “....do Avivamento MUNDIAL” (mesmo que só possua uma sala e poucos membros!), “.... uma visão MUNDIAL”, “....INTERNACIONAL de não-sei-o-que”, e por aí vai. Caso você não tenha notado, a maioria dos logotipos das igrejas tem um globo terrestre com uma pomba, ou um fogo, ou símbolos cristãos dos mais diversos.


O grande problema disto, não reside apenas no fato da liderança evangélica no Brasil estar preocupada com o tamanho do seu “rebanho” ou na projeção do seu “ministério”, mas nos meios em que estão utilizando para alcançar os seus objetivos (nós não somos discípulos de Maquiavel, sim de Jesus Cristo, caso o tenham esquecido alguns de nossos líderes!). As relações que se estabelecem dentro de muitas igrejas (escrevo com “i” minúsculo,pois refiro-me a instituição e não ao “Corpo de Cristo”) são de uma superficialidade espantosa, onde as pessoas não são a prioridade e sim os números que elas representam, não são constituídos vínculos fraternais autênticos, mas um jogo de interesses, quase um “fast-food” espiritual.
Em nome do Reino de Deus, muitos “atropelam” as pessoas, e se esquecem que o Reino de Deus estabelece-se nas (e através das) pessoas, e que sem elas não existe Reino. Na ânsia de “tentar dominar o mundo”, nesta sede pelo poder (e o pior é que o poder religioso estabelece-se em nome de Deus) perdem a essência de sua missão, perdem a essência do seu próprio ser, como já dizia o próprio Jesus: “o que aproveitaria ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?” (Mt 16.26a).


Mas e o que dizer dos “Pinks”? Será que algum dia vão perceber a sua própria força e passar a viver sem a tutela dos “Cérebros eclesiásticos”? Estarão eles fadados a serem “massa de manobra” ou a superficialidade dos relacionamentos e os constantes fracassos lhes produzirão uma consciência mais amadurecida? Não tenho respostas. A liberdade assusta, é mais fácil e cômodo viver sob a tutela de alguém, do que andar por fé e de acordo com a consciência que o Espírito Santo gera em nós. Precisamos uns dos outros sim, porém estas relações de poder destituídas de amor e amizade, só servem para criar “castas espirituais” adoecer a nossa alma.


A diferença entre esta parábola da vida eclesiástica moderna e o nosso futuro como Igreja, reside no propósito e no roteiro escrito pelos autores. “Deus não joga dados” declarou Albert Einstein, encontrando no Universo um propósito em sua ordem, e além de um propósito a Bíblia declara que “Deus é amor” (I Jo 4.16). Creio de todo meu coração que vale a pena continuar a crer na igreja, como um projeto que dignifica o ser humano, e como expressão de comunhão entre os salvos, e também como agente de implantação dos valores éticos do Reino de Deus. Creio ser possível servirmos a Deus, enquanto servimos ao próximo, porque somente assim, através do amor não fingido e do serviço desinteressado, é que seremos conhecidos como discípulos de Cristo (Jo 13.35).


Continuemos seguindo a Jesus, que não precisa “tentar dominar o mundo”, pois n’Ele, por Ele e para Ele é que existe todo o Universo.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

Ser Profeta


O profeta é um ser estranho.
Sua vida na verdade é servir, sem necessariamente, ser visto.
Sem honras, sem fama, sem benefícios pessoais,
O profeta é apenas uma voz, a serviço de Deus.

A vida do profeta está intrinsecamente ligada a profecia,
Mensagem e mensageiro não se dissociam.
Ele fala do que vive, e vive aquilo que diz,
Melhor dizendo, até a sua vida prega.

Esse estranho ser não negocia, não se vende,
Sua satisfação não está no sucesso de sua mensagem,
Seu compromisso é com a Verdade,
O único a quem ele busca agradar, é Deus.

O profeta só não está completamente solitário,
Porque sua voz encontra retorno em Deus,
Que “assina em baixo” do que ele diz,
Tornando-o inquestionavelmente verdadeiro.

O profeta é um ser que vê, enxerga (até mais do que gostaria!).
Ver o faz dizer, doa em quem doer (até nele mesmo!),
Denunciar, criticar, mostrar a doença e apontar a cura.

Examinando a Bíblia, você seria capaz de citar algum com “vida mansa” e “final feliz”?
Se o critério for a Palavra, todos os “popstars” da atualidade, ficariam de fora.
Seria essa uma espécie em extinção?

Já dizia o sábio Salomão:
“Onde não há profecia, o povo se corrompe.”

Pv 29.18a

sábado, 27 de janeiro de 2007

Esaú, Jacó e a Vocação de todos nós.


Nestes dias estive repensando na estória dos gêmeos Esaú e Jacó. A narrativa bíblica nos mostra que, mesmo sendo eles gêmeos, as suas personalidades eram completamente diferentes. Esaú, que era um exímio caçador, vendeu ao seu irmão o seu direito de primogenitura (que segundo a cultura hebréia, se revestia de significados espirituais, além dos benefícios na partilha da herança) por um cozido de lentilhas que o seu irmão Jacó, um sujeito mais pacato, cuja habilidade residia muito mais na sua esperteza do que na força física, lhe preparara. Esaú ficou estigmatizado como alguém que trocou a sua “bênção” por um simples prato de lentilhas, enquanto que Jacó, usou de todos os seus artifícios (lícitos ou não) para conseguir uma melhor “sorte” espiritual.

Ao reler a narrativa, percebi que o comportamento dos “cristãos” hodiernos tem apresentado caracterísicas muito mais do arquétipo representado por Esaú, do que o de Jacó. Tente explicar para um pai de família desempregado que a “eternidade” é mais importante que um “cozido com lentilhas” na mesa da sua família. Vivemos uma realidade cruel em nosso país, aonde os idosos morrem em filas esperando o atendimento médico em um posto de saúde, jovens são bombardeados pela mídia com apelos sexuais, a violência que nos tornou reféns em nossos próprios lares, esse conjunto de fatores geram em nós um sentimento de total desamparo e impotência diante das nossas necessidades mais básicas. Como pensar na eternidade se as “contas” do mês nos lembram a todo o momento que, somos seres aprisionados no tempo, inseridos em um contexto histórico, do qual ninguém escapa.

De certo que está escrito que “nem só de pão viverá o homem...” (Dt 8.3), mas devemos lembrar que, o homem também vive do pão que o sustenta. Não dá para ser “espiritual” com a “barriga vazia”. Uma vez formado esse quadro, proliferam-se cada dia mais as religiões, seitas e denominações que possuem uma mensagem direcionada para a solução dos problemas cotidianos. Com isso constroem-se “deuses” que são a nossa imagem conforme a nossa semelhança, trazendo alguma esperança para o já combalido coração dos seres da espécie “brasileirus-perdidus”, daí provém o deus-doril (para dores em geral), o deus-espantalho (para afugentar os “gafanhotos” da sua colheita), deus-silvio-santos (que dá casas, prêmios, fama, emprego, se você pagar em dia o “carnê do baú da felicidade”), e mais tantos outros quanto a imaginação fértil dos mercadores da fé conseguir produzir. Essas caricaturas de divindade, não salvam, não transformam a vida de ninguém, não mudam o caráter, mas elas devem ter a sua utilidade (pelo menos para alguns!) mesmo que, não forneçam a solução definitiva para os problemas, apenas satisfaçam momentaneamente as nossas necessidades. O grande problema é que tudo isso está sendo feito em nome do Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que não nos alienou, porém, nos chama para um Reino Eterno, aonde somente lá realizar-se-ão todas as utopias da humanidade.

Para vivermos uma espiritualidade verdadeira em nosso país, temos que aprender a confiar no caráter de Deus, cujas mãos não estão encolhidas e nem os seus ouvidos agravados, precisamos experimentar o que significa “andar por fé”, não uma fé que mais parece uma “moeda” de troca com a qual se faz “barganhas” com Deus, mas uma fé que confia e se entrega, uma fé que apesar de não ser “cega” para nossas necessidades, não se deixa seduzir pelo imediatismo que o mundo nos oferece.

Quem nos olha pode até nos confundir, pois até nos parecemos com ESAÚ, saímos do mesmo ventre, somos gêmeos, mas a nossa vocação é possuir um coração de JACÓ, que não era o preferido, não era o mais forte, não era o mais apto, tinha falhas em seu ser, porém, desejava o ETERNO Deus, mais que tudo. Se realmente desejamos ter um coração como o de Jacó, então o Deus de toda Graça nos encontrará no Caminho, lutando conosco para nos mudar, marcando-nos a alma para que a noite que nos viu JACÓ dê lugar ao dia em que quando o “SOL DA JUSTIÇA” se revelar, encontre pela sua frente a ISRAEL......

Quem tem olho em terra de cego?


Lc 18.35-43

Gostaria de sugerir (para uma melhor compreensão do texto), a leitura das passagens paralelas do texto de Lucas: Mt 20.29; Mc 10.46. Quantos cegos estavam presentes neste episódio, em Jericó? Será que temos aí uma contradição bíblica?

Na verdade, o que existe nestes textos correlatos não é uma contradição, mas sim uma informação complementar. A idéia que os textos nos passam é que havia mais de um cego, porém, Bartimeu protagonizou o diálogo e recebeu conseqüentemente a cura do Cristo.

O que você considera como cegueira? A falta de um nervo ótico sadio, ou em um sentido mais amplo, a incapacidade de ver? Essa pergunta se torna pertinente, pois dependendo da resposta, o número de cegos muda consideravelmente. Afirmo isto me valendo do dito popular: “o pior cego é aquele que não quer ver”.

Bartimeu é qualificado, obviamente, dentro da primeira classe de cegueira (a física), porém, se levarmos em consideração a capacidade de “enxergar”, aquelas coisas que estão para além da capacidade física, coisas que só podem ser visualizadas com a alma, então Bartimeu estaria mais próximo de outro dito da sabedoria popular: “quem tem olho em terra de cego, é rei”, ao qual eu talvez acrescentaria que, se não é rei, ao menos se torna filho do Rei.

O texto declara que “ele estava assentado junto do caminho, mendigando” (v. 35), o que dentro da realidade sócio-cultural da época nos leva a concluir que, sua condição era de alguém marginalizado, excluído, e para o pensamento religioso judaico, era um “amaldiçoado” por Deus (Jo 9.2). Mas mesmo estando à beira do caminho, abandonado por tudo e por todos, quiçá até por Deus (segundo o pensamento da época), seu desejo de encontrar um caminho para a vida era tão intenso, que o Caminho o encontrou, para mudar a sua vida definitivamente (Jo 14.6).

Suas palavras ao se aproximar de Jesus revelam que, apesar de ser cego, enxergou com nitidez a obra de arte que Deus pintou em Cristo, percepção de quem foi adestrado pela vida, e que mesmo em trevas, estava aberto para a visitação da “Luz do Mundo” (Jo 8.12).

Ele disse: “Filho de Davi, tem compaixão de mim”. Com esta frase, ele expressou algumas verdades latentes na sua alma, como por exemplo, o reconhecimento que Jesus era o Messias que viria da linhagem de Davi, coisa que muitos fariseus não conseguiram crer apesar de verem os sinais que por Jesus eram realizados e o conteúdo de suas palavras que expressavam o “espírito” da Lei. Outro fato que percebo em sua declaração, é a perspectiva pela qual ele se aproximou de Jesus, sem negociações a fazer, sem mascarar os seus interesses, sem esconder as suas limitações, apenas clamando por compaixão, que é o sentimento que viabiliza todas as bênçãos de Deus para a humanidade. O dicionário define compaixão como sendo “pesar que a desgraça ou a dor de outro despertam em alguém”, o que nos remete a um raciocínio muito simples: se este sentimento ainda habita nos corações dos homens (ainda que cada vez mais raro!), o que dizer de um Deus que é Pai, e um Pai que é Amor, ao ouvir um filho seu clamar por compaixão (Lc 11.11-13; I Jo 4.16)?

E por último, Jesus condiciona o milagre à autenticidade da fé de Bartimeu (v. 40), pois quando a fé não é apenas uma arma da mente ou produto de uma confissão vazia de significados, mas sim a afirmação do que esta no coração, então imediatamente os nossos olhos se abrem (v.42).

Note bem, até esta altura o povo estava atrás de Jesus (mas não o seguia), ouvindo seus ensinamentos (mas não guardando suas palavras), olhando na direção de Jesus (mas sem vislumbrar a presença de Deus). Mas diz o versículo 43: “e todo o povo vendo isso, dava louvores a Deus”.
O milagre na vida de Bartimeu ocasionou outro milagre em Jericó:

“A cura do mendigo sem-vista, serviu para curar um povo sem-visão”.

Deus te abençoe!