sábado, 27 de janeiro de 2007

Quem tem olho em terra de cego?


Lc 18.35-43

Gostaria de sugerir (para uma melhor compreensão do texto), a leitura das passagens paralelas do texto de Lucas: Mt 20.29; Mc 10.46. Quantos cegos estavam presentes neste episódio, em Jericó? Será que temos aí uma contradição bíblica?

Na verdade, o que existe nestes textos correlatos não é uma contradição, mas sim uma informação complementar. A idéia que os textos nos passam é que havia mais de um cego, porém, Bartimeu protagonizou o diálogo e recebeu conseqüentemente a cura do Cristo.

O que você considera como cegueira? A falta de um nervo ótico sadio, ou em um sentido mais amplo, a incapacidade de ver? Essa pergunta se torna pertinente, pois dependendo da resposta, o número de cegos muda consideravelmente. Afirmo isto me valendo do dito popular: “o pior cego é aquele que não quer ver”.

Bartimeu é qualificado, obviamente, dentro da primeira classe de cegueira (a física), porém, se levarmos em consideração a capacidade de “enxergar”, aquelas coisas que estão para além da capacidade física, coisas que só podem ser visualizadas com a alma, então Bartimeu estaria mais próximo de outro dito da sabedoria popular: “quem tem olho em terra de cego, é rei”, ao qual eu talvez acrescentaria que, se não é rei, ao menos se torna filho do Rei.

O texto declara que “ele estava assentado junto do caminho, mendigando” (v. 35), o que dentro da realidade sócio-cultural da época nos leva a concluir que, sua condição era de alguém marginalizado, excluído, e para o pensamento religioso judaico, era um “amaldiçoado” por Deus (Jo 9.2). Mas mesmo estando à beira do caminho, abandonado por tudo e por todos, quiçá até por Deus (segundo o pensamento da época), seu desejo de encontrar um caminho para a vida era tão intenso, que o Caminho o encontrou, para mudar a sua vida definitivamente (Jo 14.6).

Suas palavras ao se aproximar de Jesus revelam que, apesar de ser cego, enxergou com nitidez a obra de arte que Deus pintou em Cristo, percepção de quem foi adestrado pela vida, e que mesmo em trevas, estava aberto para a visitação da “Luz do Mundo” (Jo 8.12).

Ele disse: “Filho de Davi, tem compaixão de mim”. Com esta frase, ele expressou algumas verdades latentes na sua alma, como por exemplo, o reconhecimento que Jesus era o Messias que viria da linhagem de Davi, coisa que muitos fariseus não conseguiram crer apesar de verem os sinais que por Jesus eram realizados e o conteúdo de suas palavras que expressavam o “espírito” da Lei. Outro fato que percebo em sua declaração, é a perspectiva pela qual ele se aproximou de Jesus, sem negociações a fazer, sem mascarar os seus interesses, sem esconder as suas limitações, apenas clamando por compaixão, que é o sentimento que viabiliza todas as bênçãos de Deus para a humanidade. O dicionário define compaixão como sendo “pesar que a desgraça ou a dor de outro despertam em alguém”, o que nos remete a um raciocínio muito simples: se este sentimento ainda habita nos corações dos homens (ainda que cada vez mais raro!), o que dizer de um Deus que é Pai, e um Pai que é Amor, ao ouvir um filho seu clamar por compaixão (Lc 11.11-13; I Jo 4.16)?

E por último, Jesus condiciona o milagre à autenticidade da fé de Bartimeu (v. 40), pois quando a fé não é apenas uma arma da mente ou produto de uma confissão vazia de significados, mas sim a afirmação do que esta no coração, então imediatamente os nossos olhos se abrem (v.42).

Note bem, até esta altura o povo estava atrás de Jesus (mas não o seguia), ouvindo seus ensinamentos (mas não guardando suas palavras), olhando na direção de Jesus (mas sem vislumbrar a presença de Deus). Mas diz o versículo 43: “e todo o povo vendo isso, dava louvores a Deus”.
O milagre na vida de Bartimeu ocasionou outro milagre em Jericó:

“A cura do mendigo sem-vista, serviu para curar um povo sem-visão”.

Deus te abençoe!

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