"... Deus e o homem se encontram como ‘parceiros no trabalho da criação’. Não conheço nenhuma outra visão que confira ao ser humano tamanha dignidade e responsabilidade.
A Bíblia usa muitas metáforas para Deus. Ele é um mestre e nós somos seus servos. Ele é um rei e nós somos seus súditos. Ele é um pai e nós somos seus filhos. Mas, para os profetas, a maior metáfora é o casamento. Deus é o marido e o povo de Israel, sua esposa. Oséias coloca isso na famosa passagem em que os homens judeus recitam em todos os dias da semana ao colocarem seus filactérios (tefilin):
‘Eu te desposarei para sempre.
Eu te desposarei em retidão e justiça,
Em bondade e compaixão.
Eu te desposarei com fidelidade
E tu conhecerás o Eterno’. – Os. 2.21-22.
É difícil fazer justiça ao poder desta idéia. O que nos diz sobre o homem e a humanidade? Ela sugere que a maior descoberta da Bíblia hebraica não foi o monoteísmo, o conceito de um deus Único, mas sim a idéia de que Deus é pessoal, de que no núcleo da realidade há algo que responde à nossa existência.
A afirmação da fé judaica, profundamente humana em suas implicações, é que Deus é a personificação da realidade objetiva. Nós somos mais do que moléculas concatenadas, “genes egoístas”, grãos de poeira na superfície da eternidade. O universo não é cego às nossas esperanças, aos nossos sonhos ou aos nossos ideais. Há um sofrimento genuíno quando fazemos mal uns aos outros. E quando temos esperança e lutamos e tentamos construir, algo dentro e além de nós nos pega pela mão e nos dá a força para não sermos vencidos, para continuarmos a jornada apesar de tosos os reveses e passos em falso.
[...]
Mas entre Deus e o homem há um laço de amor. Ninguém fala deste laço de amor com tanta beleza quanto o profeta Oséias, num trocadilho magistral com o nome de Baal, o deus canaanita. Baal era o antigo deus da fertilidade, encontrado nas tempestades, no trovão e na chuva. Mas a palavra ‘Baal’ também significa ‘senhor’, ‘proprietário’e, por extensão, ‘marido-patrão’ num mundo onde os homens dominavam as mulheres. Oséias compara este tipo de ligação ao relacionamento entre Deus e o povo de Israel:
‘Naquele dia, declara o Eterno,
Tu me chamarás, ‘meu marido’ [ishi]
Tu não me chamarás mais ‘meu senhor’ [baali]’. Os 2.18.
Para Oséias, no centro do culto a Baal está a idéia primitiva de que Deus governa o mundo à força, como os maridos governam suas famílias em sociedades onde o poder determina a estrutura dos relacionamentos. Em contraste, o profeta elabora uma possibilidade bastante diferente, ou o relacionamento entre os parceiros num casamento, construído sobre amor e lealdade mútua. Deus não é Baal, o que governa à força, mas sim Ish, aquele que se relaciona em amor...
Deus diz a Elias que o que o torna diferente de Baal não é por Baal ser um poder e Deus, um poder maior. Definitivamente, Deus não é um poder. Ele não está no vento, no terremoto e no fogo. Ele não se revela através da força, mas sim de uma voz que fala ao homem. E não é uma voz comum – é uma voz ‘suave, baixa’. A tradução do hebraico significa, literalmente, o ‘som de um leve silêncio’, implicando que podemos ouvi-la somente se prestarmos atenção. Deus não impõe sua presença sobre a humanidade. Apenas se o procurarmos poderemos encontrá-lo procurando por nós”.
Rabino Jonathan Sacks
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