Hoje li uma matéria que no jornal (de ontem) que me inquietou a alma. Trata-se de uma reportagem do jornal O Globo, edição de sábado no caderno de Economia com o título "11 milhões de barriga vazia", que trata da não erradicação da fome no Brasil para onze milhões de brasileiros, que apesar da diminuição deste número no último governo e do melhor aproveitamento do "bolsa família", o número de pessoas que ainda passam fome quase equivale a população de São Paulo.
A reportagem, bem escrita, fala sobre a triste realidade social de quem sobrevive sem os recursos necessários, de crianças que se alimentam em dias alternados, e pais que tem que mendigar o pão. Mas foi quando olhei com calma para a foto da reportagem que algo me chamou a atenção, era o quadro da Santa Ceia de Leonardo da Vinci na parede, com um Cristo europeu bem nutrido com seus apóstolos desfrutando de uma farta ceia. Seria assim o Cristo? Estático, indiferente e impassível diante da miséria dos homens? Com um ar de quem veio pregar a "salvação eterna das almas" e não praticar assistencialismo social?
Em resposta a isso, saltou em meu coração o texto da multiplicação dos pães e peixes para alimentar a multidão que o seguia por causa dos seus milagres como consta nos evangelhos (Mt 14.14-21; Mc 8.1-9; Lc 911-17; Jo 6.5-13). Ao reler estas narrativas para escrever este texto, notamos que os discípulos de Jesus, achavam que o milagre do Cristo resumia-se a cura divina, a sua doutrina acerca do Reino e da Sua salvação, achavam que a fome da multidão que o seguia não era um problema da sua alçada (afinal, eles já tinham recebido o milagre!), eles que procurassem os partidos políticos, ou quem sabe os romanos. Era o "Cristo do quadro", que fica bonito na foto pra pendurar, fez muitos milagres, mas é incapaz de silenciar o ronco do estômago.
Mas graças a Deus, que Jesus não está limitado pela visão míope que seus discípulos tem dele, ainda bem que o Jesus dos milagres também é o Cristo dos famintos. Quero deixar claro que este texto não tem nenhuma conotação política, nem mesmo sou partidário da chamada Teologia da Libertação, mas como diria o sociólogo Betinho: "quem tem fome tem pressa!". Jesus pegou os recursos disponíveis, cinco pães e dois peixinhos, para alimentar uma multidão incalculável, pois a narrativa bíblica fala apenas "cinco mil homens fora mulheres e crianças".
O que acho maravilhoso neste texto é que Jesus não alimenta diretamente a multidão. Ele pegou os alimentos, os ergueu ao céu, deu graças e os abençoou, e deu aos seus discípulos e eles deram a multidão. Penso que o Cristo além de alimentar a multidão queria ensinar aos seus discípulos que o Evangelho era para o ser humano como um todo, sem essa dicotomia alma/espírito ou espiritual/físico, mas que o ser humano é um ser integral. Essas duas dimensões caminham juntas, a espiritualidade se vive através da dimensão física, do gesto, do abraço, da visita, do prato de comida, do abrigo, e que ninguem se deixe enganar, a forma como tratamos os nossos semelhantes será um critério decisivo para o ingresso no Reino de Deus. Pois assim está escrito em Mateus 25.33-42:
Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo;
Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me;
Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e fostes ver-me.
Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber?
E quando te vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e te vestimos?
E quando te vimos enfermo, ou na prisão, e fomos ver-te?
E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.
Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos;"
Não vou criticar a igreja como instituição, porque apesar da lição ser para todos os que se dizem seus seguidores, a resposta é individual. Ninguém chegará diante de Deus e poderá dizer: "eu não fiz o bem ao meu próximo por que não fazia parte das prioridades da minha igreja". Por isso, eu escrevi esse texto para nossa reflexão, qual é o Cristo que estamos seguindo? O Cristo dos retratos, que está numa mesa farta, mas não reparte o pão, que vê a fome, mas não se mexe, ou somos seguidores do Cristo que vive, do Cristo dos famintos, cuja voz quer ecoar das páginas da Bíblia em nosso corações, dizendo: "Dai-lhes vós de comer".
2 comentários:
COncordo...
Saudade de JEsus...
http://gospeleactual.blogspot.com/2009/08/saudade-de-jesus.html
http://gospeleactual.blogspot.com/2009/08/saudade-de-jesus-ii-e-saudade-continua.html
Algo que não entendo(ou não quero entender)é o fato de praticamente todos os lideres religiosos terem uma vida bem melhor do que suas ovelhas...Filhos estudando em ótimos colégios, carro "bom", casa boa...Enquanto diversos membros estão com fome e morando em barracos.
A desigualdade social dentro de uma igreja não se diferencia da que está fora dos seus portões sagrados.
Cadê a repartição de bens que existia nas comunidades primitivas? A divisão de pães a muito deixou de ser prioridade na IGREJA CAPITALISTA.
As prerrogativas que cristo ensinou são deixadas de lado.
Cristo não era diferenciava dos seus discípulos, não morava em uma mansão, não tinha motorista com chofer.
Acho que nunca irei entender esse submundo ao qual se tornou hoje o cristianismo.
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