domingo, 9 de setembro de 2018

Memórias do Cárcere



Hoje resolvi rever um conhecido, daqueles que admiramos mas que pelos afazeres do cotidiano, acabamos por nos distanciar. E como em uma roda de bate papo, minha alma sentou-se com João, o Batista, e outro amigo em comum, o Consolador. Na verdade, é apenas por causa do Consolador, que estes encontros tornam-se possíveis e reais, Ele vivifica tudo o que está no Livro, fazendo da letra, Palavra de Deus para nós.

Visitei João não no ápice do seu ministério, quando ele honrosamente batizou o Messias esperado,  mas no crepúsculo da sua existência, quando aprisionado por Herodes Antipas, ele aguardava um desfecho por certo obscuro. O Batista havia mudado. Não sei se os anos no deserto, ou a solidão no seu exílio, mas o homem que encontrei não tinha a postura de um profeta,  continuava sisudo, mas já sem a segurança e firmeza que caracterizavam sua voz, bem como seu atos. Ele estava tomado pelo medo de descrer. Ele havia depositado toda sua confiança em seu primo, Jesus de Nazaré, em quem julgava estar destinado ser o Ungido, aquele que inauguraria o Reino de Deus, e que conforme cria, livraria Israel do julgo romano, colocando a nação em um lugar de honra e domínio sobre seus adversários.

-    Será que estive enganado todo esse tempo? Indagava ele. O coração do Batista, outrora cheio de fé e esperança, agora dá a lugar a um coração triste, angustiado naquela alcova sombria e fétida, sem a convicção de que a Promessa de fato se cumprira em Jesus, ou se ele era mais um dos muitos falsos messias, que surgiam vez ou outra pela Palestina, o que faria dele mesmo, um falso profeta. Mas não podia ser, os sinais estavam se cumprindo em Jesus, tantas vezes ele mesmo ouvira sua mãe contando a história da miraculosa concepção de Maria, ele o conhecia, sabia que Jesus era diferente, e que o Eterno havia confirmado que ele era o seu Ungido, na ocasião do seu batismo. Apesar de tudo isso, Israel continuava sendo mais uma província subjugada pelo Império Romano, o povo sofria, e ele sabia disto. Será que as mãos do Eterno estavam encolhidas? Será que Ele havia rejeitado perpetuamente o seu povo? Será que Ele o havia rejeitado também? Tudo fora feito conforme o Espírito do Senhor havia ordenado, o Batista tinha consciência que havia falado sua mensagem, ou melhor, que sua vida encarnava a mensagem que ele profetizou.

Não podemos subestimar o poder que aquele cárcere impunha sobre a alma de João. Ele sentia-se fracassado, estava só, isolado, não mais conseguia sentir as mãos do Eterno o guiando naquele lugar. O único pensamento que lhe vinha a mente era "se ele fosse de fato o Messias, porque não nos libertou, porque não me libertou....". Para ele, o maior problema não era estar preso, não era saber que seu fim se aproximava, mas sentir que havia falhado, que talvez tudo que estava sofrendo fosse em vão, que Jesus não era o Messias. Cercado por um silêncio sepulcral, não só ao seu redor, mas sobretudo em seu coração. O que estava acontecendo? Nenhuma palavra, nenhuma visita, nenhuma resposta, nada.

Em meu coração, pergunto ao Consolador: conheço a história, sei da importância de João na narrativa bíblica, da sua intrepidez que o fazia semelhante à Elias, mas ao vê-lo assim, deprimido, claudicante em suas convicções, o que lhe faltava?

-    Fé! Respondeu-me o Consolador. João viu o que todos antes dele gostariam de presenciar, o surgimento do Messias, João o conhecia, pode batizá-lo, viu a chegada do Reino de Deus, mas ainda lhe faltava fé, para de fato entrar no Reino de Deus e o Reino nele. Ele precisava aprender que o Reino chegou, mas sem visível aparência.

Toda a melancolia da cena é interrompida com a chegada dos discípulos que João enviara a Jesus, para questioná-lo. Eles conseguem, por um momento ter acesso ao cárcere de João, e cheios de euforia começaram a tagarelar das coisas que haviam ouvido e visto de Jesus:

-    Mestre, os cegos veem, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam. Mestre é ele, é ele.
-    Mestre, o Eterno é com ele, o povo o segue, jamais vimos tantos sinais.
-    Ele fala com autoridade jamais vista.
-    É como o senhor nos ensinou, ele é o Messias, o Espírito do Senhor o ungiu, aleluias!

Neste momento, um sentimento de alegria e contrição tomam conta do coração de João, e como se lhe abrisse o entendimento, ele ajoelha-se e ergue as mãos aos céus, e com os olhos cheios de lágrimas proclama: "- Yeshua Hamashiach, Yeshua Hamashiach!" (Jesus é o Messias, Jesus é o Messias!). Em fração de segundos, ele se lembra de suas próprias palavras: "convém que ele cresça e eu diminua...", de fato, foi como se a alegria do coração de seus discípulos transbordasse ao ponto e encher a alma de João, fazendo compreender que o Reino de Deus se inaugura no coração dos homens, e que só quem experimenta essa libertação, jamais seria novamente escravizado por nenhum jugo humano. Pouco depois, os guardas que o vigiavam, expulsaram seus discípulos dali. Mas, os dias, semanas, e meses que se seguiram, testemunharam um novo homem surgir, não em sua aparência, mas em postura, seus olhos brilhavam, o profeta voltou.

Herodes, para satisfazer os caprichos de sua amante, ordena que matem João, e tragam sua cabeça em uma bandeja. Três soldados seguem para executar a ordem que receberam, mas ao entrar na cela, João os recebe de pé, os olha diretamente nos olhos e diz: "façam o que lhes foi ordenado, mas saibam, o Filho de Davi vive, e seu reino será eterno". Herodes teve o que queria, mas ao saber das palavras de João, temeu.

O Consolador mostrou-me a fé do Batista, que não mudou as circunstâncias, mas sim a ele próprio, fé que o libertou, fazendo seu coração livre, poderoso, inabalável. João pode ir além daquelas paredes que encarceravam seu corpo, mas não seu espírito, seus olhos, mas não sua visão, seu cárcere presente era transitório, e sua morte lhe abriu as portas para a eternidade. João estava além de qualquer prisão.

Ao terminar a leitura, fiz um últi

mo pedido ao Consolador:

- Dá-me uma vida com motivos e convicções tais que me façam perder a cabeça se preciso for, para ser inteiro, em qualquer circunstância. Amém, amém.

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