segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Lição da Tempestade


(Mt 8.23-27; Mc 4.35-41; Lc 8.22-25)

Acreditei por um momento que teríamos um pouco de sossego. Após, comermos um delicioso peixe, o balanço das águas era quase um convite irrecusável para um merecido descanso, então cada um de nós arranjou um cantinho para descansar no barco. Seguiu-se assim por aproximadamente uma hora, até que de súbito, nos sobreveio um vento veemente, e o quase materno balanço das ondas, deu lugar a açoites em nossa embarcação despertando-nos da pior maneira possível, uma furiosa tempestade nos confrontou, revelando o quão breve e frágil era nossa paz. Nosso descanso dera lugar a um medo incontrolável, e porque não dizer que o desespero começou a tomar conta de nós.
Até o mais experiente de nós, Pedro, mostrava-se aterrorizado pela fúria da tempestade. Todos nós olhamos para ele esperando seu comando, porém não havia muito o que fazer, não havia muito o que dizer, foi quando ele vociferou: onde está o mestre? Encontrem-no!

Foi aí que nos demos conta, ele estava conosco, não deveríamos temer. Sim, não deveríamos, mas tememos, somos humanos, e como tal não podemos nos esconder da nossa condição, nossos temores, nossa fragilidade, essa lição, eu já tinha aprendido com ele. Então olho ao meu redor e para meu espanto sou o primeiro a avistá-lo, encolhido na cabine sob o convés a dormir, sim, em meio a nossa agonia, nosso mestre dorme. Não posso negar que vê-lo desta forma me fez questionar muitas coisas. Desde que o conheci, sabia que ele era um mestre, pois nunca houve alguém que ensinasse com tanta simplicidade e autoridade ao mesmo tempo, nem mesmo os mais experientes entre os fariseus conseguiam resistir à sua argumentação. Mas ele era mais que isso quiçá seja ele o Ungido que esperamos, tantas coisas temos visto, tantas lições temos aprendido, e caminhar com ele, segui-lo, tornava a vida mais simples, mais verdadeira, fazia  com que nos sentíssemos mais próximos de Deus, quanto mais próximos uns dos outros estávamos. Nossa vida mudou, passamos a ser identificados como seus talmidins (alunos, discípulos), isso era maravilhoso, motivo até de orgulho para alguns, mas será que nos enganamos? Será que depositamos nossas vidas aos pés de mais um lunático? Que vergonha, nós, os doze que ele mesmo escolheu, morrermos afogados enquanto ele dorme, ele sempre nos disse que seu maior intento era nos revelar o Eterno, nos fazer conhecer lesou Aba (Pai) como sendo o "Aba nosso". Mas qual pai que em meio ao desespero dos seus filhos se cala? Qual pai que no momento que mais precisamos, se vira de lado e dorme? 

Tomado de medo e indignação, corro para despertá-lo, se vamos morrer, que seja de pé, afinal, como homem, eu estava disposto a suportar tudo, inclusive morte, afinal ninguém nos obrigou a entrar naquele barco, ou mesmo a segui-lo, eu podia suportar tudo, menos a indiferença. Não é que eu não acredite em tudo o que vivemos até ali, mas a verdade é que naquele momento, a tempestade era real, o vento era real, a iminência da morte podia ser sentida por todos, mas o seu amor tornou-se apenas palavras, e as experiências de outrora, viraram estórias passadas, nada fazia sentido pra mim. Me aproximo dele, chego sem fazer a menor cerimônia, sem a menor formalidade, apenas decepção, medo e raiva enchiam meu peito. Quando vou tocar-lhe o ombro com a mão, enquanto tento me equilibrar com os solavancos da embarcação, abro minha boca para dizer: "mest.....", antes que eu o toque, ele abre os seus olhos, que fitam diretamente os meus, e antes mesmo que eu termine qualquer palavra, sua voz serena porém firme me diz: "Tomé, ajude-me a levantar!". Tomei um susto, ele me olhou como se soubesse todos arrazoados do meu coração. Mas não havia tempo para palavras, ajudei-lhe a ficar de pé, e ele antes de sair me agradeceu, pondo uma mão sobre meu ombro e com a outra fazendo um carinho em meu cabelo. Com passos firmes e intrépidos ele dirigiu-se ao convés da embarcação, todos olharam para ele, enquanto tentavam se manter de pé ante os solavancos provocado pelas ondas. As águas já tomavam boa parte do navio, quando ele ergueu sua voz ao vento e disse: Aquieta-se! Acalma-se! E imediatamente, as ondas cessaram e o mar se acalmou.Todos nós nos entreolhamos e o sentimento de pavor deu lugar a celebração e júbilos, uns gritavam "Hosanas", outros "Aleluias", somente sendo interrompidos pela sua voz, que agora carregava um tom de desapontamento: "Por que vocês tiveram tanto medo ? Onde está a vossa fé ?". Houve um silêncio sepulcral entre nós e ninguém ousou perguntar-lhe mais nada naquele momento, uns comentavam baixinho: "como ele faz essas coisas?", enquanto outros preferiram se concentrar em tirar a água que invadiu o barco, e em um momento de distração, quando dei por mim Jesus estava ao meu lado, e pondo a mão em meu coração, me abraçou e disse:  "E aqui, a tempestade também cessou filho?", abaixei os olhos de certa forma envergonhado, e com um movimento da cabeça, respondi afirmativamente. 

- E se a minha fé vacilar novamente? 

- Sim, ela vacilará! (disse Jesus)

- Até quando terás misericórdia de mim? Não sou digno de seguir-te.

- Tomé, a fé é como um fruto, que tem o seu tempo próprio para amadurecer. Quanto ao merecimento, não se preocupe, pois nenhum de vocês possui, eu não errei ao lhes escolher, o  Aba me deu cada um e eu os amo, jamais desistirei de vocês.

- Se é assim, quero estar contigo por onde fores, pois ainda que eu não entenda direito, ou não seja constante na minha fé, sei que teu amor por mim é real, e isso me basta.

Não sei ainda responder quem ele é, não sei o que ele quer de mim, na verdade meu coração é mais habitado por dúvidas, incertezas, e incoerências. Mas, aquele que é capaz de acalmar o vento, o mar, e o meu coração, que é capaz de me conhecer, e ainda assim me amar, a ele, e somente ele chamarei de Senhor. 

A tempestade me ensinou que a única segurança, é o do caráter daquele que escolheu navegar conosco. Se Ele pode conviver com minhas dúvidas e ainda me chamar de amigo, eu também consigo, eu consigo, eu acho.