terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Sim, eu creio no Devorador!





Eu não entendo o dízimo como uma ordenança cristã. A instituição do dízimo para o povo de Israel servia como uma espécie de “Imposto de Renda”(principalmente no período pós-exílico) para a manutenção do Templo, dos Levitas (tribo sacerdotal que era mantida pelas doações das outras tribos), dos órfãos e das viúvas. Foi instituído por Deus com finalidades específicas, em um tempo em que a religião e o Estado estavam intimamente ligados. O ensino bíblico no Novo Testamento tira a questão da contribuição do campo da obrigatoriedade e chama para o coração, para a espontaneidade, tira do ritual e chama para as intenções, exterioriza o que está nas entranhas, e atribui valor ao propósito do ofertante e não a porcentagem da oferta. A síntese do pensamento neotestamentário encontra-se nos capítulos 8 e 9 de II Coríntios. Todos os demais textos em que o dízimo é citado no Novo Testamento necessitam de uma hermenêutica forçosa, onde Igreja vira Templo, cristão vira israelita, pastor vira sacerdote, e sacrifícios, prosperidades, pragas, maldições, altares, voltam a cena, tudo com a finalidade de legitimar esta prática. E é exatamente neste contexto, que surge o tal Devorador, isso mesmo, o demônio que se alimenta da já combalida conta-corrente daqueles que não entregaram seu dízimo ao sacerdote no altar do templo. E cuidado, pois ele não vem só, tem seus primos, o Cortador, o Migrador, e o Ceifador, todos imunes até mesmo ao outrora poderoso Nome de Jesus, pois o único antídoto para esse “quarteto fantástico” do inferno, são seus 10% mensais. Você já se questionou porque os textos prediletos de tais defensores dos dízimos estão sempre no Antigo Testamento?

                Dadas as gigantescas diferenças entre a ideologia cristã e a israelita, quero deixar claro que nos dias da igreja nascente, não se falava em 10%, mas em tanto quanto fosse necessário para suprir as necessidades dos irmãos, o que significava muitas vezes vender tudo e colocar o dinheiro sob a administração dos apóstolos. E sendo Paulo, o apóstolo dos gentios (ou seja, todo não-judeu), que não conheciam o Antigo Testamento e nem as práticas judaicas, não seria razoável que ele doutrinasse a igreja sobre esse assunto? A despeito disto ele não escreve uma linha sequer sobre o tema para os cristãos, tratando única e exclusivamente de ofertas alçadas e voluntárias. Mas as estruturas que mantemos hoje são caras demais, não se sustentariam com ofertas voluntárias apenas (o que é uma verdade), por isso não sou contra quem utiliza o método do dízimo para ofertar e ajudar a manter a estrutura eclesiástica da qual faz parte, mas nem por isso, preciso de um “pacman financeiro” no meu calcanhar, daqueles do tipo “se correr o bicho pega, e se não der o bicho come”.

                Resolvi escrever este texto não para falar contra o dízimo, e sobre as coisas que não creio. Quero falar sobre o que eu acredito, e sim, eu creio no devorador!

                Até o início deste ano eu fazia parte de uma grande igreja pentecostal na Baixada Fluminense aqui no Rio de Janeiro, onde por alguns anos liderei todo o departamento de ensino. Tudo corria bem, até o dia em que me perguntaram sobre o famigerado “devorador” descrito em Malaquias 3.11 (junto com o verso 10 é o “texto áureo“ do dízimo). Bem, eu precisei tomar uma decisão rápida, visto que estava em uma aula diante de uma classe de 30 pessoas aproximadamente, então optei por falar a verdade, segundo a minha consciência cristã. Respondi que, o texto se referia a uma praga, e que o tal devorador, era um tipo de gafanhoto, e que por Israel neste período tratar-se de uma nação predominantemente agrícola, representava uma enorme ameaça, e o texto chamava a Nação a um compromisso com Deus, e o propósito por Ele estabelecido na reconstrução da cidade e restauração do culto. E que para contribuir não precisamos de ameaças espirituais, mas sim gratidão a Deus pela sua bondade e amor. Foi então que conheci o verdadeiro devorador, não o do misticismo cristão-pentecostal, mas um pior, capaz de saquear coisas realmente valiosas.

                Perdi o convívio com pessoas a quem eu aprendi a amar. Gente que chorou comigo, gente com que eu chorei, me alegrei, que fizeram parte da história da minha vida, mas que se viram obrigadas a decidir, pois se as coisas que eu estava ensinando eram verdadeiras, então o local que, junto com seus familiares e amigos, eles abraçaram como igreja, estava errado. Fiquei só. Isso sim doeu, mas eu também tive que fazer escolhas, e escolhi ser fiel ao que minha consciência discerniu como sendo o verdadeiro Evangelho. Por isso não os culpo, nem os julgo, apenas lamento profundamente.

                Não tenho a menor pretensão de ser o dono da verdade, até porque, as verdades que considero absolutas são invisíveis aos olhos, são discernidas pela fé, e fé é certeza que se guarda no coração, que serve de âncora para a alma quando todas as certezas ao nosso redor parecem ter submergido. Apesar desta subjetividade quanto a verdade, falo com muita objetividade contra a mentira dita em nome de Deus. Não fui chamado para ganhar dinheiro com o Evangelho de Cristo, não faço parte de “esquemas” para obter casa própria, carro do ano, e salários de R$ 10.000,00, financiados pela fé das pessoas que são manipuladas em nome de um pseudo-evangelho, não fui chamado para me “alimentar da carne das ovelhas”.

                Em nome deste deus das riquezas, ao qual a Bíblia chama de Mamom (Mt 6.24), o Devorador se alimenta do medo de tocar no “ungido do SENHOR”, o Devorador se alimenta dos relacionamentos superficiais e interesseiros, se alimenta da falta de caráter maquiavélica de alguns líderes, onde os fins justificam os meios, o Devorador se alimenta da falta de conhecimento de Deus (Os 4.6). O Devorador se fortalece todas as vezes que nos esquecemos que o véu do templo foi rasgado e que todos temos acesso a Deus, e ao invés disto criamos intermediários entre Deus e homens, criamos nossos próprios ídolos.

Sim, eu creio no Devorador!

Porque nada trouxemos para este mundo, e manifesto é que nada podemos levar dele.
Tendo, porém, sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes.

Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína.

Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.” 
(I Tm 6.7-10)


                Sou um sonhador? Sim, e daqueles que não tem cura. Sonho com um Evangelho puro e simples, que dê glórias só a Deus, que leve os pecadores ao arrependimento, que nos leve de volta ao Pai. Sonho com estruturas que sejam um meio e não um fim em si mesmas. Sonho, mas sei que não estou sozinho, muitos tem ouvido o chamado do Pai para despertarmos e o seguirmos na construção do Seu Reino.


Para meus amados(as) aluno(as):
“Sonho com o dia em que os sapos voltarão para as lagoas, e nos seus lugares, os verdadeiros filhos de Deus se assentarão, para a glória do nome de Jesus.”